30 novembro, 2011

Santo Daime pode ser opção para tratar dependentes químicos

Santo Daime pode ser opção para tratar dependentes químicos
Marcelo Pellegrini

Da Agência USP

Grupos que agem no centro de São Paulo vem utilizando o ritual-religioso Ayahuasca, mais conhecido como Santo Daime, como terapia de tratamento para a recuperação de moradores de rua dependentes químicos. A prática foi verificada e analisada pelo psicólogo Bruno Ramos Gomes, em um estudo desenvolvido pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

Composto por uma mistura de plantas amazônicas, o chá do Santo Daime é o elemento central de um ritual xamânico herdado da cultura indígena. Após verificar o uso da bebida por diferentes grupos e associações, o psicólogo iniciou, em 2009, um acompanhamento das ações da Unidade de Resgate Flor das Águas Padrinho Sebastião, que focava suas ações na recuperação de moradores de rua que faziam uso intenso de álcool e crack. A Unidade filantrópica agiu no centro da cidade, em especial no bairro do Glicério, de 1996 a 2010.

Recuperação pelo Chá
Segundo o psicólogo, os relatos de um morador de rua revelaram que ele estava consciente de que não se curaria do HIV e que a terapia não o iria fazer parar de beber. Mas, ao mesmo tempo, foi graças à terapia que o homem entendeu o que o fazia beber e o que o levou àquela situação. “Cabia a ele, a partir disso, se livrar ou não do uso problemático”.

Para Gomes, este tipo de relato demonstra que o efeito terapêutico do chá do Santo Daime não é o aspecto principal do tratamento, não podendo ser considerado efetivo de forma isolada, mas, apenas a partir da experiência simbólica dos rituais. “É importante ressaltar que os efeitos da terapia estão menos ligados aos efeitos da substância no organismo. O elemento central desta modalidade terápica está nos rituais e no elemento religioso e sagrado”, afirma.

De acordo com as experiências relatadas pelos participantes do tratamento, o ritual age na construção de ideais morais de cada pessoa e, com isso, indica em que sentido cada um deve agir para modificar sua situação.

Este efeito está diretamente relacionado com a terapia, segundo Gomes. “Os rituais e o ambiente inédito de retiro espiritual em um sítio do interior de São Paulo contribuíram para uma experiência significativa para estas pessoas. Esta experiência foi capaz de as fazer refletir sobre a causa de sua situação e o que fazer para alterá-la”, diz.

Riscos
O estudo, no entanto, pondera sobre os riscos do uso do chá. “Pouco se conhece sobre as substâncias presentes no chá. Existe o risco de interação medicamentosa. Ou seja, caso o chá seja ingerido por um paciente que se medica com antidepressivos e outros medicamentos, a bebida pode interagir negativamente com estes remédios, mas pouco se conhece sobre isso”, avalia o psicólogo. Além disso, a ingestão do chá implica em fortes náuseas.

Para contornar estas reações e adaptar o organismo à bebida, os grupos submetiam os pacientes a dietas e a um retiro espiritual, em uma área arborizada no interior do estado de São Paulo. Ainda assim, Gomes relata que a ingestão do chá xamânico dependia do aval dos membros da Unidade. “Existia uma relação de confiança entre os moradores de rua e os realizadores do projeto. Por conta disso e por acreditarem que nem todas as pessoas estavam prontas para a terapia, nem sempre todos os pacientes podiam ingerir a bebida”, explica..

O uso ritual-religioso do Santo Daime foi regulamentado no Brasil em 2006. Contudo, seu uso terapêutico necessita de comprovações científicas para constatar a legitimidade e efetividade do tratamento para que seja permitido, de acordo com o estudo. O trabalho denominado O sentido do uso ritual da ayahuasca em trabalho voltado ao tratamento e recuperação da população em situação de rua em São Paulo, foi orientado pelo professor Rubens de Camargo Ferreira Adorno, da FSP.

10 setembro, 2011

A epidemia de doença mental

Por que cresce assombrosamente o número de pessoas com transtornos mentais e de pacientes tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos

por Marcia Angell

Fonte : Revista Piauí

Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.

No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.

Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.

As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.

O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental.Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.

A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.

O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.



que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?

Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.

Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoativas não criam problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela. Mas, apesar de suas diferenças, os três estão de acordo sobre algumas questões importantes.

Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.

Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois que os remédios psicotrópicos foram introduzidos no mercado, na década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina), lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato), vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. Em 1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um “energizador psíquico” para tratar a depressão.

Desse modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram consideradas as três principais categorias de doença mental – ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas de remédios destinados ao combate de infecções, e se descobriu por acaso que alteravam o estado mental.

No início, ninguém tinha ideia de como funcionavam. Elas simplesmente embotavam sintomas mentais perturbadores. Durante a década seguinte, pesquisadores descobriram que essas drogas afetavam os níveis de certas substâncias químicas no cérebro.



m pouco de pano de fundo, e necessariamente muito simplificado: o cérebro contém bilhões de células nervosas, os neurônios, distribuídos em redes complexas, que se comunicam uns com os outros constantemente. O neurônio típico tem múltiplas extensões filamentosas (uma chamada axônio e as outras chamadas dendritos), por meio das quais ele envia e recebe sinais de outros neurônios. Para um neurônio se comunicar com outro, no entanto, o sinal deve ser transmitido através do minúsculo espaço que os separa, a sinapse. Para conseguir isso, o axônio do neurônio libera na sinapse uma substância química chamada neurotransmissor.

O neurotransmissor atravessa a sinapse e liga-se a receptores no segundo neurônio, muitas vezes um dendrito, ativando ou inibindo a célula receptora. Os axônios têm vários terminais e, desse modo, cada neurônio tem múltiplas sinapses. Depois, o neurotransmissor é reabsorvido pelo primeiro neurônio ou metabolizado pelas enzimas, de tal modo que o status quo anterior é restaurado.



uando se descobriu que as drogas psicoativas afetam os níveis de neurotransmissores, surgiu a teoria de que a causa da doença mental é uma anormalidade na concentração cerebral desses elementos químicos, a qual é combatida pelo medicamento apropriado.

Por exemplo: como o Thorazine diminui os níveis de dopamina no cérebro, postulou-se que psicoses como a esquizofrenia são causadas ​​por excesso de dopamina. Ou então: tendo em vista que alguns antidepressivos aumentam os níveis do neurotransmissor chamado serotonina, defendeu-se que a depressão é causada pela escassez de serotonina. Antidepressivos como o Prozac ou o Celexa impedem a reabsorção de serotonina pelos neurônios que a liberam, e assim ela permanece mais nas sinapses e ativa outros neurônios. Desse modo, em vez de desenvolver um medicamento para tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se adequar a um medicamento.

Trata-se de uma grande pirueta lógica, como apontam os três autores. Era perfeitamente possível que as drogas que afetam os níveis dos neurotransmissores pudessem aliviar os sintomas, mesmo que os neurotransmissores não tivessem nada a ver com a doença. Como escreve Carlat: “Por essa mesma lógica, se poderia argumentar que a causa de todos os estados de dor é uma deficiência de opiáceos, uma vez que analgésicos narcóticos ativam os receptores de opiáceos do cérebro.” Ou, do mesmo modo, se poderia dizer que as febres são causadas pela escassez de aspirina.

Mas o principal problema com essa teoria é que, após décadas tentando prová-la, os pesquisadores ainda estão de mãos vazias. Os três autores documentam o fracasso dos cientistas para encontrar boas provas a seu favor. Antes do tratamento, a função dos neurotransmissores parece ser normal nas pessoas com doença mental. Nas palavras de Whitaker:

Antes do tratamento, os pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio químico”. No entanto, depois que uma pessoa passa a tomar medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma via neuronal, seu cérebro começa a funcionar... anormalmente.

Carlat refere-se à teoria do desequilíbrio químico como um “mito” (que ele chama de “conveniente” porque reduziria o estigma da doença mental). E Kirsch,cujo livro centra-se na depressão, resume a questão assim: “Parece fora de dúvida que o conceito tradicional de considerar a depressão como um desequilíbrio químico no cérebro está simplesmente errado.” (O motivo da persistência dessa teoria, apesar da falta de provas, é um tema que tratarei adiante.)

Os remédios funcionam? Afinal de contas, independentemente da teoria, essa é a questão prática. Em seu livro seco e extremamente cativante, The Emperor’s New Drugs [As Novas Drogas do Imperador], Kirsch descreve os seus quinze anos de pesquisa científica para responder a essa pergunta, no que diz respeito aos antidepressivos.

Quando começou o trabalho em 1995, seu principal interesse eram os efeitos de placebos. Para estudá-los, ele e um colega revisaram 38 ensaios clínicos que comparavam vários tratamentos da depressão com placebos, ou comparavam a psicoterapia com nenhum tratamento. A maioria dessas experiências durava de seis a oito semanas, e durante esse período os pacientes tendiam a melhorar um pouco, mesmo se não tivessem nenhum tratamento.

Mas Kirsch descobriu que os placebos eram três vezes mais eficazes do que a ausência de tratamento. Isso não o surpreendeu. O que o surpreendeu mesmo foi que os antidepressivos foram apenas marginalmente mais úteis do que os placebos: 75% dos placebos foram tão eficazes quanto os antidepressivos. Kirsch resolveu então repetir o estudo, dessa vez com a análise de um conjunto de dados mais completo e padronizado.

Os dados que ele usou foram obtidos da Food and Drug Administration, a FDA [o órgão público americano encarregado do licenciamento e controle de medicamentos]. Quando buscam a aprovação da FDA para comercializar um novo remédio, os laboratórios farmacêuticos devem apresentar à agência todos os testes clínicos que patrocinaram. Os testes são geralmente duplo-cego e controlados com placebo. Ou seja: os pacientes participantes recebem aleatoriamente a droga ou o placebo, e nem eles nem os seus médicos sabem o que receberam.

Os pacientes são informados de que receberão ou um medicamento ativo ou um placebo. E também são avisados dos efeitos colaterais que podem ocorrer. Se dois testes comprovam que o medicamento é mais eficaz do que o placebo, ele é geralmente aprovado. Mas os laboratórios podem patrocinar quantos testes quiserem, e a maioria deles pode dar negativo – isto é, não mostrar a eficácia do remédio. Tudo o que eles precisam é de dois testes com resultados positivos. (Os resultados dos testes de um mesmo medicamento podem variar por muitas razões, entre elas a forma como o ensaio foi concebido e realizado, seu tamanho e os tipos de pacientes pesquisados.)

Por razões óbvias, as indústrias farmacêuticas fazem questão de que seus testes positivos sejam publicados em revistas médicas, e os médicos fiquem sabendo deles. Já os testes negativos ficam nas gavetas da FDA, que os considera propriedade privada e, portanto, confidenciais. Essa prática distorce a literatura médica, o ensino da medicina e as decisões de tratamento.



irsch e seus colegas usaram a Lei de Liberdade de Informação para obter as revisões da FDA de todos os testes clínicos controlados por placebo, positivos ou negativos, submetidos para a aprovação dos seis antidepressivos mais utilizados, aprovados entre 1987 e 1999: Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e Effexor.

Ao todo, havia 42 testes das seis drogas. A maioria deles era negativo. No total, os placebos eram 82% tão eficazes quanto os medicamentos, tal como medido pela Escala de Depressão de Hamilton, uma classificação dos sintomas de depressão amplamente utilizada. A diferença média entre remédio e placebo era de apenas 1,8 ponto na Escala, uma diferença que, embora estatisticamente significativa, era insignificante do ponto de vista clínico. Os resultados foram quase os mesmos para as seis drogas: todos igualmente inexpressivos. No entanto, como os estudos positivos foram amplamente divulgados, enquanto os negativos eram escondidos, o público e os médicos passaram a acreditar que esses medicamentos antidepressivos eram altamente eficazes.

Kirsch ficou impressionado com outro achado inesperado. Em seu estudo anterior, e em trabalhos de outros, observara que até mesmo tratamentos com substâncias que não eram consideradas antidepressivas – como hormônio sintético da tireoide, opiáceos, sedativos, estimulantes e algumas ervas medicinais – eram tão eficazes quanto os antidepressivos para aliviar os sintomas da depressão. Kirsch escreve: “Quando administrados como antidepressivos, remédios que aumentam, diminuem ou não têm nenhuma influência sobre a serotonina aliviam a depressão mais ou menos no mesmo grau.”



que todos esses medicamentos “eficazes” tinham em comum era que produziam efeitos colaterais, sobre os quais os pacientes participantes haviam sido informados de que poderiam ocorrer.

Diante da descoberta de que quase qualquer comprimido com efeitos colaterais era ligeiramente mais eficaz no tratamento da depressão do que um placebo, Kirsch especulou que a presença de efeitos colaterais em indivíduos que recebem medicamentos lhes permitia adivinhar que recebiam tratamento ativo – e isso foi corroborado por entrevistas com pacientes e médicos –, o que os tornava mais propensos a relatar uma melhora. Ele sugere que a razão pela qual os antidepressivos parecem funcionar melhor no alívio de depressão grave do que em casos menos graves é que os pacientes com sintomas graves provavelmente tomam doses mais elevadas e, portanto, sofrem mais efeitos colaterais.



ara investigar melhor se os efeitos colaterais distorciam as respostas, Kirsch analisou alguns ensaios que utilizaram placebos “ativos”, em vez de inertes. Um placebo ativo é aquele que produz efeitos colaterais, como a atropina – droga que bloqueia a ação de certos tipos de fibras nervosas. Apesar de não ser um antidepressivo, a atropina causa, entre outras coisas, secura da boca. Em testes utilizando atropina como placebo, não houve diferença entre os antidepressivos e o placebo ativo. Todos tinham efeitos colaterais, e todos relataram o mesmo nível de melhora.

Kirsch registrou outras descobertas estranhas em testes clínicos de antidepressivos, entre elas o fato de que não há nenhuma curva de dose-resposta, ou seja, altas doses não funcionavam melhor do que as baixas, o que é extremamente improvável para medicamentos eficazes.

“Ao se juntar tudo isso”, escreve Kirsch,“chega-se à conclusão de que a diferença relativamente pequena entre medicamentos e placebos pode não ser um efeito verdadeiro do remédio. Em vez disso, pode ser um efeito placebo acentuado, produzido pelo fato de que alguns pacientes passaram a perceber que recebiam medicamentos ou placebos. Se este for o caso, então não há nenhum efeito antidepressivo dos medicamentos. Em vez de compararmos placebo com remédio, estávamos comparando placebos ‘normais’ com placebos ‘extrafortes’.”

Trata-se de uma conclusão surpreendente, que desafia a opinião médica, mas Kirsch chega a ela de uma forma cuidadosa e lógica. Psiquiatras que usam antidepressivos – e isso significa a maioria deles – e pacientes que os tomam talvez insistam que sabem por experiência clínica que os medicamentos funcionam.

Mas casos individuais são uma forma traiçoeira de avaliar tratamentos médicos, pois estão sujeitos a distorções. Eles podem sugerir hipóteses a serem estudadas, mas não podem prová-las. É por isso que o desenvolvimento do teste clínico duplo-cego, aleatório e controlado com placebo, foi um avanço tão importante na ciência médica, em meados do século passado. Histórias sobre sanguessugas, megadoses de vitamina cou vários outros tratamentos populares não suportariam o escrutínio de testes bem planejados. Kirsch é um defensor devotado do método científico e sua voz, portanto, traz objetividade a um tema muitas vezes influenciado por subjetividade, emoções ou, como veremos, interesse pessoal.



livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma Epidemia], é mais amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão. EnquantoKirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as patologias tratadas:

O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente desde 1955 e durante as duas últimas décadas, período em que a prescrição de medicamentos psiquiátricos explodiu e o número de adultos e crianças incapacitados por doença mental aumentou numa taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia, embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas poderia estar alimentando, de alguma maneira imprevista, essa praga dos tempos modernos?

Além disso, Whitaker sustenta que a história natural da doença mental mudou. Enquanto transtornos como esquizofrenia e depressão eram outrora episódicos, e cada episódio durava não mais de seis meses, sendo intercalado por longos períodos de normalidade, os distúrbios agora são crônicos e duram a vida inteira. Whitaker acredita que isso talvez aconteça porque os medicamentos, mesmo aqueles que aliviam os sintomas em curto prazo, causam em longo prazo danos mentais que continuam depois que a doença teria naturalmente se resolvido.

As provas que ele apresenta para essa teoria variam em qualidade. Whitaker não reconhece suficientemente a dificuldade de estudar a história natural de qualquer doença durante um período de cinquenta anos, no qual muitas circunstâncias mudaram, além do uso de medicamentos. É ainda mais difícil comparar resultados de longo prazo de pacientes tratados e não tratados. No entanto, os indícios de Whitaker são sugestivos, se não conclusivos.



e as drogas psicoativas causam danos, como afirma Whitaker, qual é o seu mecanismo? A resposta, ele acredita, encontra-se em seus efeitos sobre os neurotransmissores. É bem sabido que as drogas psicoativas perturbam os neurotransmissores, mesmo que essa não seja a causa primeira da doença.

Whitaker descreve uma cadeia de efeitos. Quando, por exemplo, um antidepressivo como o Celexa aumenta os níveis de serotonina nas sinapses, ele estimula mudanças compensatórias por meio de um processo chamado feedback negativo. Em reação aos altos níveis de serotonina, os neurônios que a secretam liberam menos dela, e os neurônios pós-sinápticos tornam-se insensíveis a ela. Na verdade, o cérebro está tentando anular os efeitos da droga. O mesmo vale para os medicamentos que bloqueiam neurotransmissores, exceto no sentido inverso.

A maioria dos antipsicóticos, por exemplo, bloqueia a dopamina, mas os neurônios pré-sinápticos compensam isso liberando mais dopamina, e os neurônios pós-sinápticos a aceitam com mais avidez.

As consequências do uso prolongado de drogas psicoativas, nas palavras de Steve Hyman, até recentemente reitor da Universidade de Harvard, são “alterações substanciais e de longa duração na função neural”.

Depois de várias semanas de drogas psicoativas, os esforços de compensação do cérebro começam a falhar e surgem efeitos colaterais que refletem o mecanismo de ação dos medicamentos. Antipsicóticos causam efeitos secundários que se assemelham ao mal de Parkinson, por causa do esgotamento de dopamina (que também se esgota no Parkinson). À medida que surgem efeitos colaterais, eles são tratados por outros medicamentos, e muitos pacientes acabam tomando um coquetel de drogas psicoativas, prescrito para um coquetel de diagnósticos. Os episódios de mania causada por antidepressivos podem levar a um novo diagnóstico de “transtorno bipolar” e ao tratamento com um “estabilizador de humor”, como Depokote (anticonvulsivo), acompanhado de uma das novas drogas antipsicóticas. E assim por diante.

A respeitada pesquisadora Nancy Andreasen e seus colegas publicaram indícios de que o uso de antipsicóticos está associado ao encolhimento do cérebro, e que o efeito está diretamente relacionado à dose e à duração do tratamento. Como Andreasen explicou ao New York Times: “O córtex pré-frontal não obtém o que precisa e vai sendo fechado pelos medicamentos. Isso reduz os sintomas psicóticos. E faz também com que o córtex pré-frontal se atrofie lentamente.”

Largar os remédios é extremamente difícil, segundo Whitaker, porque quando eles são retirados, os mecanismos compensatórios ficam sem oposição. Quando se retira o Celexa, os níveis de serotonina caem bruscamente porque os neurônios pré-sinápticos não estão liberando quantidades normais. Da mesma forma, quando se suspende um antipsicótico, os níveis de dopamina podem disparar.Os sintomas produzidos pela retirada de drogas psicoativas são confundidos com recaídas da doença original, o que pode levar psiquiatras a retomar o tratamento com remédios, talvez em doses mais elevadas.

Whitaker está indignado com o que considera uma epidemia iatrogênica (isto é, introduzida inadvertidamente pelos médicos) de disfunção cerebral, especialmente a causada pelo uso generalizado dos novos antipsicóticos, como o Zyprexa, que provoca graves efeitos colaterais. Eis o que ele chama de “experimento de pensamento rápido”:

Imagine que aparece de repente um vírus que faz com que as pessoas durmam doze, catorze horas por dia. As pessoas infectadas se movimentam devagar e parecem emocionalmente desligadas. Muitas ganham quantidades imensas de peso – 10, 20 e até 50 quilos. Os seus níveis de açúcar no sangue disparam, assim como os de colesterol.

Vários dos atingidos pela doença misteriosa – entre eles, crianças e adolescentes – se tornam diabéticos. O governo federal dá centenas de milhões de dólares aos cientistas para decifrar o funcionamento do vírus, e eles relatam que ele bloqueia uma multidão de receptores no cérebro. Enquanto isso, exames de ressonância magnética descobrem que, ao longo de vários anos, o vírus encolhe o córtex cerebral, e esta diminuição está ligada ao declínio cognitivo. O público aterrorizado clama por uma cura.

Ora, essa doença está, de fato, atingindo milhões de crianças e adultos. Acabamos de descrever os efeitos do antipsicótico Zyprexa, um dos mais vendidos do laboratório Eli Lilly.



eon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria americana passou,no final do século XX, de uma fase “descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que, antes das drogas psicoativas, os psiquiatras tinham pouco interesse por neurotransmissores ou outros aspectos físicos do cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a doença mental tinha suas raízes em conflitos inconscientes, geralmente com origem na infância, que afetavam a mente como se ela fosse separada do cérebro.



om a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro. Os psiquiatras começaram a se referir a si mesmos como psicofarmacologistas, e se interessaram cada vez menos pelas histórias de vida dos pacientes.

A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas, tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo biológico de doença mental, Eisenberg veio a se tornar um crítico do uso indiscriminado de drogas psicoativas, impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.

Quando as drogas psicoativas surgiram, houve um período de otimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o otimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de Thomas Szasz e o filme Um Estranho no Ninho.

Havia também a concorrência crescente de psicólogos e terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros se agarraram ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Ademais, dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie de parentes pobres: mesmo com suas novas drogas, eram vistos como menos científicos do que os outros especialistas, e sua renda era geralmente mais baixa.

No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o diretor médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou uma campanha maciça de relações públicas para fazer exatamente isso.

A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que seus concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os psiquiatras têm autoridade legal para escrever receitas. Ao abraçar o modelo biológico de doença mental, e o uso de drogas psicoativas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos secundários. E se apresentou também como uma disciplina científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha da indústria farmacêutica, que logo tornou tangível sua gratidão.



Associação Americana de Psiquiatria, a APA, estava preparando então a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, que estabelece os critérios de diagnóstico para todos os transtornos mentais. O presidente da Associação havia indicado Robert Spitzer, eminente professor de psiquiatria da Universidade de Columbia, para chefiar a força-tarefa que supervisionaria o Manual.

As duas primeiras edições, publicadas em 1952 e 1968, refletiam a visão freudiana da doença mental, e eram pouco conhecidas fora da profissão. Spitzer decidiu fazer da terceira edição, o DSM-III, algo bem diferente. Ele prometeu que o Manual seria “uma defesa do modelo médico aplicado a problemas psiquiátricos”, e o presidente da Associação, Jack Weinberg, disse que ele “deixaria claro para quem tivesse dúvidas que consideramos a psiquiatria uma especialidade da medicina”.

Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265 diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e logo teve um uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões, escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de todas as especialidades. Seu principal objetivo era trazer coerência (normalmente chamada de “confiabilidade”) ao diagnóstico psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do humor”.

Mas havia outro objetivo: justificar o uso de drogas psicoativas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da apa, reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos, cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”

A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa que validade. O termo confiabilidade é usado como sinônimo de “coerência”; validade refere-se à correção ou solidez. Se todos os médicos concordassem que as sardas são um sinal de câncer, o diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.

O problema com o Manual é que, em todas as suas edições, ele simplesmente refletia as opiniões de seus autores. E, no caso do DSM-III, sobretudo as opiniões do próprio Spitzer, que foi apontado com justiça como um dos psiquiatras mais influentes do século xx. Em suas palavras, ele “pegou todo mundo com quem se sentia à vontade” para participar da força-tarefa de quinze membros, e houve queixas de que ele convocou poucas reuniões e conduziu o processo de uma maneira desordenada, mas ditatorial.

Num artigo de 1984 intitulado “As desvantagens do DSM-III superam suas vantagens”, George Vaillant, professor de psiquiatria de Harvard, afirmou que o DSM-III representou “uma audaciosa série de escolhas baseadas em palpite, gosto, preconceito e esperança”, o que parece ser uma boa descrição.



DSM se tornou a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele citações de estudos científicos para sustentar suas decisões. É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas, sejam revistas ou livros didáticos, as declarações de fatos devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro “livros de consulta” separados para a edição atual do DSM, que apresentam a razão para algumas decisões, junto com referências, mas isso não é a mesma coisa que referências específicas.)

Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas se reunir e dar suas opiniões, mas a menos que essas opiniões possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a deferência extraordinária dedicada ao DSM. “A cada edição subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de diagnósticos se multiplicava, e os livros se tornaram maiores e mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana de Psiquiatria.” O Manual atual, o DSM-IV, vendeu mais de 1 milhão de exemplares.

Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e generosidade aos psiquiatras, tanto individual como coletivamente, direta e indiretamente. Choveram presentes e amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes, refeições, ajuda para participar de conferências. Quando os estados de Minnesota e Vermont implantaram “leis de transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade. A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.

Os laboratórios buscam conquistar psiquiatras de centros médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de “líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipe de vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto com eles. Dos 170 colaboradores da versão atual do DSM, dos quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95 tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, inclusive todos os colaboradores das seções sobre transtornos de humor e esquizofrenia.

Carlat pergunta: “Por que os psiquiatras estão na frente de todos os outros especialistas quando se trata de tomar dinheiro de laboratórios?” Sua resposta: “Nossos diagnósticos são subjetivos e expansíveis, e temos poucas razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objetivos para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por exemplo, em um campo como a cardiologia. E as empresas farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a fazer exatamente isso.

Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de defesa dos pacientes de déficit de atenção/hiperatividade, e 69 250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio”.

E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses; pode-se imaginar qual deve ser o total anual de todas as empresas que produzem drogas psicoativas. Esses grupos aparentemente existem para conscientizar a opinião pública sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de promover o uso de drogas psicoativas e influenciar os planos de saúde para cobri-los.



omo a maioria dos psiquiatras, Carlat trata seus pacientes apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de 100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja particularmente complicada, muito menos precisa, embora o público seja levado a acreditar que é.

Seu trabalho consiste em fazer aos pacientes uma série de perguntas sobre seus sintomas, para ver se eles combinam com algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos fazendo é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes preenchem critérios para mais de um diagnóstico, porque há sobreposição de sintomas.

Um dos pacientes de Carlat acabou com sete diagnósticos distintos. “Nós miramos sintomas distintos com os tratamentos, e outros medicamentos são adicionados para tratar os efeitos colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar tomando Celexa para depressão, Ativan para ansiedade, Ambien para insônia, Provigil para fadiga (um efeito colateral do Celexa) e Viagra para impotência (outro efeito colateral do Celexa).

Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”, sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher entre eles. E resume:

Assim é a moderna psicofarmacologia. Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos, sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos tentando corrigir, ou de como as drogas estão funcionando. Espanto-me que sejamos tão eficazes para tantos pacientes.

Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New Drugs, que os pacientes talvez estejam respondendo a um efeito placebo ativado. Se as drogas psicoativas não são tudo o que é alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece com os próprios diagnósticos? Como eles se multiplicam a cada edição do DSM?



m 1999, a APA começou a trabalhar em sua quinta revisão do DSM, programado para ser publicado em 2013. A força-tarefa de 27 membros é chefiada por David Kupfer, professor de psiquiatria da Universidade de Pittsburgh. Tal como nas edições anteriores, a força-tarefa é assessorada por vários grupos de trabalho, que agora totalizam cercade 140 membros, correspondentes às categorias principais de diagnóstico. As deliberações e propostas em curso foram amplamente divulgadas, e parece que a constelação de transtornos mentais vai crescer ainda mais.

Em particular, os limites dos diagnósticos serão ampliados para incluir os precursores dos transtornos, tais como “síndrome do risco de psicose” e “transtorno cognitivo leve” (possível início do mal de Alzheimer). O termo “espectro” é usado para ampliar categorias, e temos,por exemplo, “espectro de transtorno obsessivo-compulsivo”, “transtorno do espectro da esquizofrenia” e “transtorno do espectro do autismo”. E há propostas para a inclusão de distúrbios totalmente novos, como “transtorno hipersexual”, “síndrome das pernas inquietas” e “compulsão alimentar”. Até mesmo Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV, escreveu que a próxima edição do Manual será uma “mina de ouro para a indústria farmacêutica”.

A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar drogas psicoativas até mesmo a pacientes para os quais os medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.

Seria muito difícil achar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que seus pais enfrentam.

Como as famílias de baixa renda estão passando por dificuldades econômicas crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguridade suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da Universidade Rutgers, descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde privado.

Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem argumentar, como Nancy Andreasen o faz em seu artigo sobre a perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se soubéssemos que os benefícios das drogas psicoativas superam seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa expectativa pode estar errada.



o mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoativas são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos têm se mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não existe indústria que promova essas alternativas. Mais pesquisas são necessárias para estudar alternativas às drogas psicoativas.

Em particular, precisamos repensar o tratamento de crianças. Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas condições ambientais – como auxílio individual para pais ou centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e comparados com o tratamento farmacológico.

No longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais baratas. Nossa confiança nas drogas psicoativas, receitadas para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras opções. Em vista dos riscos, e da eficácia questionável dos medicamentos em longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso. Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).

Meu comentário: exatamente, a indústria farmacêutica manipula dados e os médicos para vender mais e ter lucro, sem se importar verdadeiramente com o bem estar das pessoas. Por isso, nesse mundo, a ibogaína não encontra espaço.

07 julho, 2011

Desmistificando a Ibogaína

Estou republicando o texto abaixo, pois o mesmo foi publicado neste blog originalmente em Fevereiro de 2010, e alguns leitores estão tendo dificuldade para encontrá-lo nos arquivos

Desmistificando a Ibogaína
Muito se tem falado a respeito da Ibogaína aqui no Brasil nos últimos tempos... bem e mal, com discussões apaixonadas, e, às vezes, desprovidas de cunho científico e repletas de preconceito.

Para quem não sabe, Ibogaína é uma substância extraída da planta Tabernanthe iboga, originária do Gabão, e planta sagrada utilizada nos rituais da religião Bwiti, religião e rituais estes existentes desde a pré-história. Em 1962 Howard Lotsof, na época dependente de heroína, descobriu que uma única dose de Ibogaína foi suficiente para curar a dependência sua e de alguns amigos. A partir daí surgiu com força uma rede internacional de provedores de tratamentos para dependência em todo o mundo, alguns oficiais, outros underground. Desde essa época até hoje cerca de 15.000 pessoas já fizeram o uso médico da substância, com resultados, em sua maioria, muito bons. Realmente os efeitos são surpreendentes, e, em muitos casos, ocorre uma melhora do quadro de dependência significativa, em apenas 24 horas.

Como tudo que é diferente, e como tudo que é inovador, existem também em relação à Ibogaína controvérsias e dúvidas, que tem origem na desinformação e no preconceito, e algumas vezes também em interesses econômicos. Este texto visa esclarecer as dúvidas e orientar as pessoas sobre o assunto. É interessante o fato de que a maioria das pessoas que é contra esse tratamento, não sabe absolutamente nada a respeito, mesmo alguns sendo renomados profissionais da área. É o estilo “não li e não gostei”. Na área da dependência química no Brasil, alguns egos são imensos.

Sempre que se fala de Ibogaína, cita-se o fato de a mesma ser proibida nos Estados Unidos e em mais 3 ou 4 países, sendo em todos os outros (inclusive no Brasil) isso não ocorre. Pelo contrário, o Brasil é um dos pioneiros nesse tratamento e os profissionais envolvidos, apesar de pouco conhecidos aqui, têm reconhecimento internacional. Essa proibição da Ibogaína em poucos países deve-se à desinformação e a interesses econômicos e políticos.

Primeiramente, essa medicação não interessa à grande indústria farmacêutica, visto ser derivada de plantas, com a patente de 1962 já expirada, tendo, portanto, um baixo potencial de lucro.

Alem disso, em muitos locais, o preconceito contra os dependentes faz com que eles sejam vistos como pessoas que não merecem serem tratadas e sim presas ou escorraçadas. Assim sendo, o fato da Ibogaína ter sido descoberta por um dependente químico, para algumas pessoas, já a desqualifica.

Fora isso, o falso conceito de que a planta é alucinógena, gera uma quase histeria em determinados profissionais da área, que mal informados, com má vontade, e baseados em informações conflitantes pinçadas na internet, repassam informações errôneas adiante. A Ibogaína não é alucinógena, é onirofrênica, (Naranjo, 1974; Goutarel, Gollnhofer, and Sillans 1993), ou talvez seja melhor dizer, remogênica, ela estimula a mente de maneira a fazer com que o cérebro sonhe, mesmo com a pessoa acordada. Isso é comprovado por inúmeros estudos ao redor do mundo, mas é fácil confirmar, basta fazer um eletroencefalograma (EEG) durante o efeito da substância pra se ver que o padrão que vai aparecer é o do sono REM, não de alucinações. Alem disso, a ibogaína não se liga ao receptor 5HT 2a, o alvo clássico de alucinógenos como LSD, por exemplo.

Outra crítica relacionada à Ibogaína, que é sempre citada, são as até agora 14 mortes que ocorreram, em 48 anos, como comentado acima, em cerca de 15000 tratamentos realizados. Isso dá menos de 1 fatalidade em cada 1000 tratamentos, número muito menor por exemplo do que as fatalidades provocadas por metadona, que é outra substância utilizada no tratamento da adicção, e que é de 1 fatalidade para cada 350 tratamentos.
O detalhe, sempre deixado de lado pelos detratores da Ibogaína, é que em todos os casos de fatalidades registrados, comprovadamente se detectou o uso sub-reptício concomitante de heroína, cocaína e/ou álcool, confirmado por necropsia, o que nos leva à conclusão de que não existem fatalidades relacionadas à Ibogaína e sim à heroína/cocaína/álcool e à mistura dessas substâncias... além disso, poucas coisas no mundo são mais mortais do que usar drogas.. isso sim é perigoso.

Mais outra crítica é sobre o uso em humanos, sendo que no Gabão, há 5000 anos humanos já usam a substância em seus rituais, sem problemas. Já foram feitos vários trabalhos científicos, por cientistas renomados, que comprovam a baixa toxicidade e a segurança do tratamento, desde que feito dentro dos protocolos.

A taxa média de eficácia da Ibogaína para tratamento da dependência de crack é de 70 a 80%, que é altíssima, principalmente se lembrarmos que, além de ser uma doença gravíssima, as taxas de sucesso dos tratamentos tradicionais é de 5%. Incrivelmente, essa taxa de 80% também é alvo de críticas... Porque não são 100%, eles dizem? Já que é tão bom, porque não cura todo mundo? Ora, nenhum tratamento médico é 100%, existem variáveis ponderáveis e imponderáveis que influenciam a evolução dos pacientes, como motivação, características individuais de cada paciente, preparação adequada, com psicoterapia pré e pós tratamento de alto nível, tudo isso faz com que haja variações na eficácia. O fato é que a Ibogaína é hoje, de longe, o tratamento mais eficaz contra a dependência que se tem notícia, em toda a história da humanidade. Feito com os cuidados necessários, é seguro, eficaz, e não existem relatos de seqüelas, nem físicas, nem psicológicas.

Assim sendo, pessoas que vivem da cronicidade da doença, para as quais não interessa que haja cura e sim perpetuação do quadro, e assim, indiretamente, perpetuação dos lucros, se insurgem contra ela.

Em toda a história da humanidade, as inovações, as mudanças de paradigma, sempre foram combatidas.

E apenas mais um detalhe: as outras opções de tratamento, são bastante ineficazes, para que se possa dar ao luxo de não dar à ibogaína a atenção que ela merece.

Postado em 20/02/2010
Atualizado em 08/12/2010, em 17/06/2011 e em 07/07/2011

06 junho, 2011

Ibogaína: droga usada para curar a dependência

Tratamento é feito com uma dose de substância extraída da raiz de uma planta africana. Medicamento não é regulamentado pela Anvisa

Gabriel Azevedo
Gazeta do Povo

Diogo Nascimento Busse, 28 anos, era usuário de crack. Du­­rante 13 anos, a vida dele foi semelhante à de outros usuários: passava dias fora de casa, perdeu amigos, namoradas, oportunidades. Tentou inúmeros tratamentos psiquiátricos, psicológicos, medicamentos e internações. Nada deu resultado. Sem saída, mas com esperança de largar a dependência, há dois anos e meio, a curiosidade empurrou Busse para uma substância pouco conhecida no Brasil: a ibogaína.

Substância extraída da raiz da iboga, arbusto encontrado em países africanos, a ibogaína é usada para fins terapêuticos no país há dez anos, por uma única clínica, com sede em Curitiba. Nesse período, 130 usuários de drogas usaram o medicamento, Diogo foi um deles. Há dois anos e meio livre do crack, o advogado e professor universitário conta como foi a experiência. “Foi um renascimento. Foi uma viagem espiritual, de autoconhecimento, expandiu meus horizontes. É inexplicável. Hoje eu analiso o passado e não tenho lembranças positivas daquele tempo”, diz.

De acordo com o médico gastroenterologista da clínica Bruno Daniel Rasmussen Chaves, a ibogaína produz uma grande quantidade do hormônio GDNF, que estimula a criação de conexões neuronais, o que ajuda o paciente a perder a vontade de usar drogas. A ibogaína, segundo ele, também produz serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de prazer. A droga é processada na Inglaterra e vendida em forma de cápsulas. O preço de uma unidade, quantidade suficiente para o tratamento, gira em torno de R$ 5 mil.

As imagens que as pessoas enxergam enquanto estão sob o efeito da droga, segundo o médico, são sonhos. “Não se trata de alucinações, a ibogaína não é alucinógena. É como sonhar de olhos abertos, só que durante muito tempo. Durante o sono temos apenas cinco minutos de sonhos a cada duas horas. Com a ibogaína são 12 horas”, explica Chaves.

Não é um milagre

Mesmo que os resultados sejam animadores – a taxa de recaída entre os usuários da ibogaína gira em torno de 15%, enquanto nos tratamentos convencionais varia entre 60% e 70% – a substância não é um milagre e nem faz tudo sozinha. De acordo com a psicóloga Cleuza Canan, que há mais de 30 anos trabalha com dependência química, os pacientes passam por três fases. “Avaliamos clinicamente e psiquicamente o paciente. Existe uma fase de desintoxicação. São necessários 60 dias de abstinência para o paciente ir para a ibogaína. Depois que ele toma, começa uma fase que consiste na reorganização e readaptação, com terapia individual e de grupo”, afirma.

A reportagem Gazeta do Povo conversou com ex-usuários de drogas que recorreram à ibogaína. Eles foram unânimes em afirmar que, depois de tomar a substância, nunca mais tiveram vontade de se drogar. “Eu nunca mais tive vontade. Aquela fissura desapareceu. A droga é apenas uma lembrança, nada mais que isso”, diz um paciente que não quis se identificar. Segundo Cleuza, a recaída só é possível se o paciente mantiver os mesmos hábitos. “Se ele frenquentar os mesmos lugares, conviver com os mesmos amigos, achar que está imune”, explica.

Não existe comprovação científica

Atualmente, a ibogaína é usada em países como Nova Zelândia e Holanda. Nos Estados Unidos ela serve apenas para fins acadêmicos. No Brasil, a substância não é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar de não haver restrições legais ao consumo, a droga não pode ser comercializada em farmácias e nem produzida em laboratórios nacionais. Para consumi-la é necessário importar de outros países.


O Conselho Regional de Medicina do Paraná chegou a fazer um parecer sobre a substância. De acordo com o psiquiatra Marco Antonio Bessa, que assina o documento, não há estudos científicos sérios sobre a droga. “Ela [ibogaína] é totalmente contraindicada. É uma droga alucinógena muito potente, que pode causar sérios problemas psiquiátricos”, diz. Sobre o sucesso da ibogaína, o médico afirma que são apenas relatos. “Não existe comprovação científica. O crack é uma dependência grave, desesperadora para a família, que fica sensibilizada. Mas não existe uma cura milagrosa. É uma grande ilusão achar que a ibogaína pode acabar com o vício”, afirma.

Pesquisas

O médico Rasmussen Chaves rebate as críticas afirmando que existem várias pesquisas sendo desenvolvidas e cita as universidades de Nova York e Miami, nos Estados Unidos, e o Hospital de Sant Pau, em Barcelona, como exemplos. “As pesquisas nestas instituições demonstram que a ibogaína é uma substância efetiva no combate à dependência não só do crack, mas da cocaína e heroína. Não existem relatos de nenhuma complicação psiquiátrica desde o início do uso da substância há 40 anos”, diz. (GA)

20 maio, 2011

Drogas: Muito além da hipocrisia

Como políticas oficiais proíbem algumas substâncias, mas estimulam consumo irresponsável de centenas. Por que é preciso fazer exatamente o contrário

Por Henrique Carneiro*

Uma política sobre drogas deve abranger os três circuitos de circulação das substâncias psicoativas existentes na sociedade contemporânea: o das substâncias ilícitas, o das lícitas de uso recreacional e o das lícitas de uso terapêutico.

A divisão estrita entre estes três campos é recente e sempre vem se alterando. O álcool já foi remédio, tornou-se droga proibida e voltou a ser substância de uso lícito controlado. Outras, como os derivados da Cannabis, que por milênios fizeram parte de inúmeras farmacopéias, foram objeto de uma proscrição oficial no século 20, a ponto de a ONU querer “erradicar” essa planta – assim como outras, tais como a coca e a papoula, produtora de ópio. Hoje, entretanto, a Cannabis tem uso medicinal reconhecido em muitos estados norte-americanos e em outros países.

Qual a fronteira conceitual estrita que separa essas drogas? LSD, DMT1 ou MDMA2 não possuem usos terapêuticos? O que é recreacional e o que é terapêutico? Esse último campo deve estar submetido apenas a monopólios de especialistas ou deve também abranger um amplo uso de técnicas de auto-cura?

Pretendo, neste texto, defender um regime mais “equalizador” em relação aos três tipos de substâncias mencionadas. Ao mesmo tempo que antiproibicionista, ele deve ser mais severo no que diz respeito à interdição da publicidade e à facilidade do acesso. Como “substâncias essenciais”3 as drogas psicoativas não devem estar ligadas a emprendimentos que estimulem continuamente o consumo os lucros crescentes que decorrem dao interesse privado. Defendo assim, a criação de um “fundo social” constituído com o faturamento de um mercado legalizado e estatizado de produção de drogas psicoativas em geral — tanto as hoje ilícitas como as legais.

* * *

A indústria farmacêutica, no seu conjunto, concentra alguns dos maiores grupos empresariais do planeta. Hiperconcentrada, hiperlucrativa e em acelerado crescimento nas últimas décadas (faturou 773 bilhões de dólares em 20084). Estreitamente vinculada ao setor de produção de sementes transgênicas e agrotóxicos, esta indústria fundiu-se com a de alimentos por meio de várias compras e fusões empresariais. O ramo do tabaco também está imbricado com o setor alimentar e farmacêutico.

A última ameaça global pandêmica da gripe suína representou um crescimento ainda mais explosivo da indústria farmacêutica que já era um dos mais expansivos e poderosos.

Assim como ocorre com outros mercados, ele se reveste de uma hipertrofia excessiva nos países centrais e de uma carência enorme nos países periféricos.

A África tem apenas 1% do mercado farmacêutico, embora tenha epidemias como a da Aids que necessitariam enormemente de medicamentos. Desde o início do século 21, a África do Sul ameaçou desafiar o regime de patentes que impedia a venda barata de produtos monopolizados por grandes laboratórios e começar a produzir genéricos num laboratório indiano. A patente do retroviral stavudine pertence a universidade de Yale (e rende 90% dos royalties dessa universidade, várias centenas de milhões de dólares), mas ela a cedeu em exclusividade para o laboratório Squibb (BMS), que após uma grande disputa ofereceu o medicamento a um preço menor para os africanos mas sem quebrar o seu monopólio.

Esse monopólio de patentes como direito de propriedade intelectual representa uma forma de exclusivismo na circulação do conhecimento e é um dos pilares da forma atual de funcionamento do comércio internacional que favorece a acumulação de capital em detrimento dos interesses sociais da maioria da humanidade.

É possível quebrar monopólios de patentes (cuja duração é de vinte anos), em casos como uma epidemia ou a segurança nacional, mas mesmo na recente pandemia da gripe H1N1 não se colocou em causa a quebra da patente do Tamiflu. Os medicamentos continuam a ser produtos caríssimos e sua obtenção não está incluída nos planos de saúde.

Sabe-se que ao menos 1/4 de todos os remédios da indústria farmacêutica derivam de saberes fitoterápicos de povos tradicionais, que identificaram a maior parte das plantas medicinais e alimentares5. Os povos do mundo, entretanto, não recebem royalties e nem tampouco nunca lhes ocorreu monopolizar esse saber de forma implacável como faz a indústria farmacêutica.

Plantas de cultivo milenar, como canábis, coca e papoula
são proibidas. Mas libera-se propaganda abusiva de
psicoativos que provocam muito mais acidentes e mortes

Dentre o conjunto dos medicamentos (que totalizam em média cerca de 15% dos orçamentos de saúde nos países centrais), destacam-se os chamados de psicoativos, que são os indicados para os estados de humor, como promoção da alegria e combate à tristeza; para os problemas mentais, como ansiedade ou falta de concentração; para o aumento do desempenho intelectual ou físico; para a tranquilização, sedação e analgesia; para a excitação sexual, etc.

Existem, portanto, três circuitos de circulação de drogas psicoativas na sociedade. O das substâncias ilícitas compõe um mercado paralelo e clandestino, cujo volume é calculado em torno de 400 bilhões de dólares, alimentado basicamente dos derivados de algumas das plantas mais tradicionais da história da humanidade: a coca, a canábis e a papoula. Cada vez mais cresce também um número de centenas de moléculas sintéticas novas que vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos em laboratórios clandestinos. O montante do faturamento e as consequências sociais em geral associadas a essas drogas – como a violência e alto índice de aprisionamento – decorrem não do efeito específico das substâncias mas, sobretudo, da sua condição de ilegalidade.

O circuito das substâncias lícitas de uso recreacional, como o tabaco, as bebidas alcoólicas e cafeínicas, é regido pela legalidade, trazendo assim problemas relacionados ao uso abusivo ou excessivo e seus efeitos sociais – mas não uma violência intrínseca. É um mercado poderoso, de grandes multinacionais associadas à indústria da alimentação, mas também conhece micro-produtores domésticos ou artesanais. Todas estas substâncias já foram objeto de perseguição e tentativas de proibição. No caso do álcool, provocaram os problemas ligados à chamada “lei seca” que vigorou de 1920 a 1933 nos Estados Unidos.

O circuito que mais notável nas últimas décadas, entretanto, foi das substâncias da indústria psicofarmacêutica, chamados de remédios psicolépticos, psicoanalépticos e psicodislépticos. Desenvolvido especialmente a partir do segundo pós-guerra, é o mais rentável e o que mais tem crescido. É o de circulação mais volumosa, com maior número de consumidores e faturamento. Seus grandes fundamentos são o sistema de patentes, o monopólio médico da prescrição, um mercado publicitário dirigido para quem toma a droga mas também corruptor de quem a ministra (laboratórios que convencem médicos a receitarem os seus produtos). Sua outra contrapartida indispensável é a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional – como a canábis, a papoula e a coca. As funções psicoterapêuticas que estas têm em medicinas tradicionais, passaram a ser substituídas por pílulas farmacêuticas.

* * *

O mercado das substâncias psicoativas controla os mais eficientes instrumentos na luta contra o sofrimento e a busca da alegria. As drogas – não importa se fluoxetina, álcool ou maconha – oferecem a amenização da dor e a intensificação do prazer. Por isso são usadas. E de fato cumprem a promessa – cada uma com suas limitações e preço. Se existem há milênios, é porque não enganam a humanidade: trazem aquilo que nelas é buscado.

Num tempo de aumento de tensões e de sofrimentos psíquicos diversos e complexos, estão disponíveis centenas de moléculas puras, para os mais diversos efeitos. A indústria farmacêutica busca ampliar seu monopólio, substituindo usos de plantas tradicionais por fármacos patenteados, e colonizando cada vez mais a vida cotidiana, oferecendo novos “remédios” para as mais diferentes esferas comportamentais.

O maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica. As drogas de farmácia também têm usos variados, que podem ser benéficos ou nocivos, equilibrados ou abusivos. Uma parte dos consumidores faz uso abusivo. Cerca de um terço das intoxicações que ocorrem no país, por exemplo, são devidas a drogas da indústria farmacêutica, numa proporção muito maior do que as que ocorrem por causa do uso abusivo de substâncias ilícitas.

Artigo do jornalista Ruy Castro, na Folha de S.Paulo (28/12/09)6, lembrou, a propósito da morte da atriz Brittany Murphy, que muitos outros artistas sofreram, assim como ela, assim como ela, do uso excessivo de remédios legais que os levaram a morte. Foram citados Carmem Miranda, Marilyn Monroe, Judy Garland, Elvis Presley e Michael Jakson.

Só no Brasil, há mais de 32 mil rótulos de medicamentos, com variações de 12 mil substâncias (a OMS considera como realmente necessários 300 itens), vendidos em mais de 54 mil farmácias (uma para cada três mil habitantes, o dobro da recomendação da OMS)7

Uma parte cada vez maior destas drogas são substâncias psicoativas. Entre as principais estão os antidepressivos, as anfetaminas, os benzodiazepínicos, e muitos outros mais. Em 2008 e 2009 o segundo medicamento mais vendido no Brasil foi o benzodiazepínico Rivotril8.

A dependência de remédios, uma forma de consumo compulsivo às vezes chamada popularmente de “hipocondria” é uma característica marcante da relação das pessoas com as drogas. Por serem, por vezes, receitadas por um médico, são chamadas de “remédios”, mas o seu resultado é exatamente o mesmo de qualquer outro consumo compulsivo, podendo levar à efeitos daninhos para o organismo e à dependência e tolerância.

Para ampliar vendas, indústria alia-se a concepções
que enxergam estados mentais como “doenças”
– e só poderiam ser tratados, portanto, com “remédios”

Queixas de mal-estares vagos em pronto-atendimentos são medicadas comumente com benzodiazepínicos, especialmente se as pacientes forem mulheres e donas-de-casa. O uso de moderadores de apetite não só para diminuição de peso mas como estimulante também se propaga, ao ponto do Brasil ser um dos maiores mercados mundiais.

Também é comum o uso de certos produtos farmacêuticos para finalidades distintas das indicadas, devido a seus efeitos colaterais. Xaropes para tosse com codeína, remédios para dor de cabeça como Optalidon, medicamentos para mal de Parkinson como Artane ou mesmo de analgésicos são empregados como drogas para combater dores mais psíquicas do que propriamente orgânicas.

O uso de doses inapropriadas de drogas comuns pode ser extremamente perigoso, é o caso de overdoses da própria aspirina, que um estudo recente de Karen M. Starko apontou poder ser responsável por parte dos mortos na época da epidemia da gripe espanhola, em 19189. Durante a epidemia da gripe suína, chegou a se proibir a veiculação de publicidade de antifebris, para não haver indução à medicação excessiva, desnecessária e muitas vezes perigosa.

Muito além do simples e indefinível efeito farmacológico objetivo, todo remédio também é uma representação que se auto-reforça por meio do efeito-placebo inerente à todo medicamento. O que se vende com o mercado de drogas são modos de produção da subjetividade. Assim o fazem os usuários que as inserem em contextos sociais, cerimoniais e até rituais. Também assim o consideram as agências publicitárias que, ao promoverem álcool, tabaco ou remédios, vendem estados de espírito, modelos de felicidade da alma, humor em pílulas. Mais do que venderem, exacerbam, pois, conforme a hipnótica cantilena publicitária, só há requinte com um cigarro na mão, só há festa com cerveja e decotes generosos, só há felicidade plena com o sono, a ansiedade e a tristeza geridos por meio de doses de pílulas ou elixires.

Por isso os orçamentos administrativos e de marketing das indústrias farmacêuticas são muito maiores que os de pesquisa. Estes sempre são interrompidos após o lançamento do fármaco no mercado, não havendo acompanhamento exaustivo de seus efeitos previstos e colaterais de longo prazo nas populações usuárias. A própria técnica publicitária nasce, desde o final do século XIX, fortemente ligada à venda de medicamentos, tônicos, fortificantes, etc., vendendo estilos de vida mais do que os produtos em si. Até hoje, o setor da venda de drogas (seja álcool, tabaco ou remédios) representa uma das maiores fatias do mercado publicitário internacional e brasileiro.

* * *

De toda a indústria farmacêutica, o setor das drogas psicoativas é não só uma das mais lucrativas como a que teve influência cultural mais significativa. O que pouco se percebe é que paralelamente à emergência de um proibicionismo de certas drogas ocorreu uma exacerbação na compulsão ao consumo de fármacos industriais (assim como também o de alimentos e outras mercadorias).

Os anti-psicóticos, soníferos, tranquilizantes, ansiolíticos e anti-depressivos despontaram desde os anos 1950 como carros-chefes não só da indústria, como de estilos de vida. O uso de pílulas tornou-se um hábito considerado normal, não só como suplementos vitamínicos ou fortificantes mas como reguladores mentais, moduladores psíquicos, capazes de alterar o humor, o sono, a tensão e a motivação.

Junto a cada um dos novos fármacos se construiu uma entidade nosológica nova, para a qual cada medicamento seria o específico terapêutico. O erro central dessa visão psicofarmacêutica é considerar o sintoma (por exemplo, a depressão) como a doença. Ao invés de oferecer uma interpretação do seu sofrimento e de suas causas, uma “narrativa” que lhe desse sentido, como diz David Healy, passou a se oferecer (vender, melhor dizendo) uma pílula miraculosa. Este médico e professor de Medicina Psicológica fez uma análise da emergência da depressão como um quadro clínico e nosológico desde os anos de 1950 – e da concomitante ascensão dos medicamentos antidepressivos como mercadorias de alta lucratividade numa das indústrias que mais floresceu desde o segundo pós-guerra. O livro em que relatou suas observações, The Antidepressant Era (1997), é obra importante para compreender os múltiplos significados dessa era de novas drogas e novas políticas sobre drogas, que abrangem não apenas o universo médico strito sensu, mas também a vida cotidiana cada vez mais medicalizada e farmacologizada.

Postura não-infantil exige encarar papel das drogas
em todas as culturas, incentivando usos adequados
e desestimulando compulsão e irresponsabilidade

A partir dos anos 1950, a grande inovação – além dos barbitúricos, para sedação – foram remédios contra a depressão, tais como imipramina, lançada em 1957 sob o nome de Tofranil. Veio a seguir a amitriptilina, lançada em 1961. Nem sequer o escândalo da talidomida, lançada como sedativo e tranquilizante, em 1957, e responsável por mais de seis mil casos de má-formação fetal em grávidas que o usaram, desestimulou o crescente mercado do consolo e do apaziguamento psíquico.

Nos anos 80 e 90 a fluoxetina, sob o nome de Prozac, tornou-se um dos medicamento psicoativos a vender muitos bilhões de dólares e foi o emblema de uma época em que a indústria farmacêutica criava uma nova cultura de dependência de drogas – ao mesmo tempo que se desencadeava uma guerra sem quartel contra algumas drogas ilícitas, muitas delas plantas de usos tradicionais milenares.

Recentemente, a própria suposta eficácia dos anti-depressivos foi questionada, pois nem todos os estudos realizados são publicados. Mesmo entre os publicados, a diferença entre o efeito dos placebos comparado ao efeito dos fármacos é muito pequena, nos casos majoritários de depressões leves10.

Ainda assim, o uso (inclusive infantil) de psicoativos como antidepressivos aumentou vertiginosamente, estendendo-se a um conjunto infinito de condutas a serem supostamente corrigidas pelo medicamento. De enurese noturna até hiperatividade, de insônia a ansiedade, de “pânico social” à “síndrome do pânico”, dentre os tantos novos rótulos que surgem para configurar supostos quadros nosográficos. A OMS profetiza que, em algumas décadas, a depressão será a doença mais incapacitante do mundo, o que por si já é revelador da situação de insustentabilidade que vive o sistema econômico capitalista. Recentemente surgiu até mesmo uma versão veterinária do Prozac para cães.

O uso de drogas na sociedade cresce sobretudo por meio dos remédios legais, cuja publicidade incita a um consumo fetichizado e hipocondríaco, na busca de panaceias químicas para mal-estares sociais e psicológicos.

Uma política realmente democrática em relação às drogas psicoativas seria aquela que legalizasse todas, submetendo-as a um mesmo regime, não importa se remédios sintéticos ou derivados de plantas tradicionais. Ao mesmo tempo, tal política deveria ampliar a severidade dos controles, distintos para cada substância. Toda publicidade em veículos de mídia destinados ao público em geral deveria ser proibida. A fiscalização e punição para consumos irresponsáveis – ao volante, por exemplo – de álcool ou outras drogas, deveria ser rígida.

Outra medida necessária seria a estatização da grande produção e do grande comércio. Ela evitaria que corporações gananciosas dominassem o mercado e garantiria que todos os lucros desse comércio fossem direcionados para fins sociais – inclusive para programas de desabituação para os consumidores problemáticos que necessitassem. Além de uma política em favor dos genéricos e da quebra das patentes farmacêuticas, o Estado deveria garantir a fabricação de todos os fármacos indispensáveis, oferecendo-os ao menor preço possível e aplicando os lucros obtidos no interesse social. Um amplo programa de pesquisa, com financiamento e destinação pública, poderia assim estimular também o desenvolvimento de novos fármacos.

Legalização e controle público afastariam
crime organizado e criariam fundo público para
financiar Saúde – inclusive atendimento aos dependentes

Tais diretrizes deveriam se aplicar tanto aos remédios fisiológicos quanto aos três grupos de substâncias psicoativas consideradas nestes estudo: as da indústria farmacêutica; as recreativas lícitas, como álcool e tabaco; e as hoje consideradas ilícitas. A legalização da maconha, da cocaína e de todas as drogas, sob controle estatal do grande atacado e produção afastaria o atrativo para o crime organizado, permitiria maior monitoramento dos usos problemáticos e encaminhamento dos necessitados a tratamentos. Financiados pela própria renda gerada na venda legal, seriam oferecidos no serviço público de saúde.

Por que não criar-se um Fundo Social – resultado não apenas de impostos, mas do controle econômico estatal da grande produção e circulação de drogas, remédios, bebidas e cigarros? O conjunto do faturamento obtido poderia servir para custear o orçamento de Saúde Pública.

Um leque imenso de iniciativas individuais, familiares, comunitárias e microempresariais poderia ser não só mantido, mas estimulado, no campo do cultivo e da produção dessas substâncias. Produtores de bebidas como vinhos, cervejas ou aguardentes, cultivadores de fumos de qualidade ou canabicultores deveriam ser estimulados com apoio creditício e fiscal.

O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado “narcotráfico”, encerraria a “guerra contra as drogas”, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil. Seria interrompido o crescimento vertiginoso do encarceramento por drogas, principal fonte de lucros para o sistema penal privado norte-americano e mecanismo de repressão social e racial contra os pobres e os afrodescendentes no Brasil. Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais.

Os fármacos em geral, e os psicofármacos em particular, oferecem um florescente futuro. Inúmeras novas moléculas poderão ser inventadas, além dos usos diversos que já se podem fazer das substâncias existentes. Isso amplia um repertório que serve a fins terapêuticos, lúdicos, recreacionais, devocionais, de reflexão filosófica, de autoconhecimento e de regulação humoral (os timolépticos). Infelizmente, também pode ser usado de formas autodestrutivas, excessivas, abusivas e descontroladas. Uma cultura da autonomia responsável supõe o uso consciente do potencial de todos os fármacos, que são, como os alimentos, produtos da cultura material que ingerimos para finalidades úteis ao nosso corpo.

Usar as “tecnologias de si” de forma construtiva significa por um lado acabar com a “guerra contra as drogas” e o proibicionismo demonizante de certas substâncias. Mas, por outro, significa recusar os efeitos alienantes de uma cultura publicitária que faz da saúde um negócio e da necessidade das drogas um mercado oligopólico global.

1Dimetrilptamina, princípio ativo do ayahusca, utilizado nos rituais do Santo Daime. Mais informações na Wikipedia

2 Metilenodioximetanfetamina, também conhecida como ecstasy. Verbete na Wikipedia

3 Expressão adotada por Richard Rudgley para denominar as drogas psicoativas em Essential substances. A cultural history of intoxicants in society (N. York, Kondansha, 1993).

4 Cf. IMS Health, 2009.

5Michael J. Balick e Paul Alan Cox, Plants, People, and Culture. The Science of Ethnobotany, N. York, Scientifican American Library, 1997,p.25.

6 Ruy Castro, “Vale das bolinhas”, FSP, 28/12/2009, p.2.

7Jomar Morais, “Viciados em remédios”, Superinteressante, nº 185, fevereiro de 2003, p.44.

8 Segundo IMS Health, o primeiro é uma pílula anticoncepcional.

9“Aspirina pode ter tido um papel na epidemia de gripe de 1918”, Nicholas Bakalar (New York Times), in Folha de S.Paulo, 13/10/2009.

10“Effectiveness of antidepressants: an evidence myth constructed from a thousand randomized trials?”, John P. A. Ioannides, in Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine, 3:14, 27 de maio de 2008.

Como políticas oficiais proíbem algumas substâncias, mas estimulam consumo irresponsável de centenas. Por que é preciso fazer exatamente o contrário

Por Henrique Carneiro*



Henrique Carneiro é historiador, bacharel, mestre e doutor em História Social pela USP. Professor na cadeira de História Moderna no Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), é também pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Publicou seis livros e diversos artigos para jornais e revistas acadêmicas (ver aqui). Sua linha de pesquisa atual aborda a história da alimentação, das drogas e das bebidas alcoólicas.

Bibliografia:

BALICK, Michael J.; e COX, Paul Alan, Plants, People, and Culture. The Science of Ethnobotany, N. York, Scientifican American Library, 1997.

HEALY, David, The Antidepressant Era, 1997, Harvard University Press, 1997.

IMS HEALTH www.imhshealth.com

MOYNIHAM, Ray; e CASSELS, Alan, “Comerciantes de enfermedades” in Le Monde Diplomatique Ed. Chilena, Santiago, 2006.

RUDGLEY, Richard, Essential substances. A cultural history of intoxicants in society, N. York, Kondansha, 1993.



Notas:

1Dimetrilptamina, princípio ativo do ayahusca, utilizado nos rituais do Santo Daime. Mais informações na Wikipedia

2 Metilenodioximetanfetamina, também conhecida como ecstasy. Verbete na Wikipedia

3 Expressão adotada por Richard Rudgley para denominar as drogas psicoativas em Essential substances. A cultural history of intoxicants in society (N. York, Kondansha, 1993).

4 Cf. IMS Health, 2009.

5Michael J. Balick e Paul Alan Cox, Plants, People, and Culture. The Science of Ethnobotany, N. York, Scientifican American Library, 1997,p.25.http://www.blogger.com/img/blank.gif
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6 Ruy Castro, “Vale das bolinhas”, FSP, 28/12/2009, p.2.

7Jomar Morais, “Viciados em remédios”, Superinteressante, nº 185, fevereiro de 2003, p.44.

8 Segundo IMS Health, o primeiro é uma pílula anticoncepcional.

9“Aspirina pode ter tido um papel na epidemia de gripe de 1918”, Nicholas Bakalar (New York Times), in Folha de S.Paulo, 13/10/2009.

10“Effectiveness of antidepressants: an evidence myth constructed from a thousand randomized trials?”, John P. A. Ioannides, in Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine, 3:14, 27 de maio de 2008.

Fonte: Outras Palavras

21 março, 2011

Medicamentos que curam, não interessam à indústria farmacêutica

O Prêmio Nobel de Medicina de 1993, Richard J. Roberts, revela em entrevista ao La Vanguardia que muitas das doenças hoje crônicas são curáveis, mas para os laboratórios farmacêuticos não é rentável curá-las completamente; os poderes políticos sabem, mas esses laboratórios compram seu silêncio, financiando suas campanhas eleitorais.

Pergunta: Qual é o modelo de investigação que lhe parece mais eficaz, o americano ou europeu?

Richard J. Roberts: É óbvio que o americano; onde o capital privado tem parte ativa é muito mais eficiente. Tomemos por exemplo o progresso espetacular da indústria de informática, onde o dinheiro privado é que financia a pesquisa básica e aplicada, mas para a indústria da saúde... Eu tenho minhas reservas.

Pergunta: Eu o ouço.

Richard: A pesquisa em saúde humana não pode depender somente de sua rentabilidade econômica. O que é bom para os dividendos das empresas nem sempre é bom para as pessoas.

Pergunta: Explique.

Richard: A indústria farmacêutica quer servir ao mercado de capitais...

Pergunta: Como qualquer outra indústria.

Richard: Não é apenas qualquer outra indústria: estamos falando sobre a nossa saúde, nossas vidas e as de nossos filhos e milhões de seres humanos.

Pergunta: Mas se são rentáveis, investigariam melhor.

Richard: Se só pensar nos benefícios, você para de se preocupar em servir às pessoas.

Pergunta: Por exemplo...

Richard: Eu verifiquei, como em alguns casos, que pesquisadores dependentes de fundos privados descobriram medicamentos muito eficazes, que eliminariam completamente uma doença...

Pergunta: E por que deixam de pesquisar?

Richard: Porque as companhias farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curá-lo quanto em obter de dinheiro, de modo que a investigação, de repente, é desviada para a descoberta de medicamentos que não curam completamente, e sim tornam crônica a doença; fazem experimentar uma melhoria, que desaparece quando deixa de tomar a droga.

Pergunta: É uma acusação grave.

Richard: É comum que os farmacêuticos estejam interessados em linhas de pesquisa, não para curar, mas apenas tornar crônicas doenças com drogas mais rentáveis que as que curam de uma vez e para sempre. E não tem mais que seguir a análise financeira da indústria farmacêutica e verificar o que digo.

Pergunta: Existem os dividendos que matam.

Richard: Por isso lhe dizia que a saúde não pode ser um mercado, não pode ser entendida meramente como um meio de ganhar dinheiro. E por isso eu acho que o modelo europeu de capital público e privado misto torna menos fácil estimular esses abusos.

Pergunta: Um exemplo desses abusos?

Richard: Deixaram de pesquisar antibiótico porque são muito eficazes e curavam completamente. Como não foram desenvolvidos novos antibióticos, os microorganismos infecciosos tornaram-se resistentes e hoje a tuberculose, na minha infância havia sido derrotada, está ressurgindo, matando neste ano passado um milhão de pessoas.

Pergunta: Você não está falando do Terceiro Mundo?

Richard: Este é outro capítulo triste: apenas investigam as doenças do Terceiro Mundo, porque os medicamentos que as combateriam não seriam rentáveis. Mas eu estou falando sobre o nosso Primeiro Mundo: o remédio que cura completamente não é rentável e, portanto, não irão investigá-lo.

Pergunta: Os políticos não estão envolvidos?

Richard: Não fique muito esperançoso: no nosso sistema, os políticos são meros empregados dos grandes capitais, que investem o necessário para eleger os seus filhos, e, se não são, compram aqueles eleitos.

Pergunta: Há de tudo...

Richard: Ao capital só interessa se multiplicar. Quase todos os políticos - e eu sei o que digo - dependem descaradamente dessas multinacionais farmacêuticas, que financiam suas campanhas. O resto são palavras...

16 março, 2011

Conferência sobre Ibogaína em Barcelona



ICEERS significa International Center for Ethnobotanical Education, Research and Service - Centro Internacional para Educação, Pesquisa e Serviço em Etnobotânica.

É uma organização não governamental, filantrópica, sediada na Holanda.

Trabalhando em 3 fronts: Educação, Pesquisa e Serviço, a ICEERS está dedicada a unir e organizar as forças do conhecimento indígena antigo e das modernas práticas terapêuticas atuais respondendo assim ao chamado desesperado da sociedade por ferramentas eficientes para o desenvolvimento pessoal e social.

Nesse intuito, organizou, em Outubro de 2010, em parceria com o Ministério da Saúde da Catalunia e com o Centro de Pesquisas de Medicamentos do Hospital San Pau, de Barcelona, um encontro de especialistas para discutir ibogaína.

Pesquisadores do assunto de 22 países, inclusive do Brasil, estiveram presentes.

23 fevereiro, 2011

Muito trabalho para coisa nenhuma

A imprensa quis levantar poeira com a foto de Ronaldo Fenômeno fumando dentro de sua casa, na festa que deu para Anderson Silva, lutador do MMA. Ronaldo queixou-se: "Sempre respeitei os fotógrafos e sempre tentei ajudar, só que dessa vez passaram do limite!" E ameaçou processar o fotógrafo. Veja escreveu que Ronaldo fuma desde os tempos do Real Madrid, cerca de dois maços de Marlboro por dia.

É claro que o cigarro não arranhou a imagem do ídolo. Da mesma forma que Ronaldo nunca foi julgado pelo contrato que mantém com a AmBev há mais de dezessete anos, renovado no ano passado até 2020. A imprensa faz estardalhaço porque Ronaldo fuma e não diz nada quando ele promove a venda de cerveja, incitando milhões de jovens a beberem, apesar dos nossos problemas gravíssimos de alcoolismo e de já ocuparmos o primeiro lugar mundial no consumo de álcool.

Somos um país de ética pervertida, de moral frouxa e elástica. Um deputado norte-americano demitiu-se da função, porque mostrou o corpo atlético na internet. Envergonhou-se do que considerou um despudor. No Brasil, ninguém deu a mínima para a nebulosa história de Ronaldo com os três travestis, para as acusações de uso de cocaína e prática de sexo sem preservativo. O Fenômeno queixou-se chorando: "Minha carreira acabou." Acabou nada.

Ronaldo renovou todos os contratos milionários que fazem dele o dono de uma fortuna de um bilhão de reais. Além dos milhões anuais recebidos da Nike, Claro, Vale e Hypermarcas, ele embolsa 2,5 milhões de dólares por ano da AmBev, para aliciar as pessoas a beberem cerveja. Sempre me escandalizava quando o ídolo, muito jovem ainda, levantava um dedo para cima após um gol, marca publicitária da cerveja Brahma, a número 1.

A torcida brasileira estava se lixando para o tabagismo de Ronaldo. Ela queria saber apenas se ele fazia gols, se levava o time para a final dos campeonatos e trazia a vitória. A obesidade de Ronaldo preocupava apenas porque ele não rendia em campo. Mas, se ele chegasse à marca dos 34 gols em 47 jogos, que alcançou no Internazionale de Milão, poderia pesar duzentos quilos. Ninguém se importa que Ronaldo influencie os jovens a beber. Todos acham bacana ele ganhar os anuais dois milhões e meios da AmBev. No Brasil, herói é quem se dá bem e ganha muito dinheiro a qualquer preço. Basta ver a moral do Big Brother.

Devastaram a carreira do nadador norte-americano Michael Phelps, que ganhou oito medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim, depois que o flagraram fumando maconha. Seus assessores não conseguiram negociar com o tablóide que a foto não fosse publicada e o caso abafado. É verdade que maconha é uma droga ilícita. O álcool, responsável por acidentes de trânsito, transtornos de comportamento e violência, é lícito e pode-se até fazer propaganda dele, incitando os jovens a beber.

O jogador Edmundo Animal envolveu-se em acidente de carro com vítimas e estava bêbado. Deputados envolvem-se em acidentes de carro com vítimas, estando bêbados. E o que acontece? Nada. A justiça continua cega? Que mal o tabagismo de Ronaldo faz às pessoas, se ele não fuma em lugares públicos e faz questão de não ser visto fumando?

O tabagismo de Ronaldo só faz mal a ele mesmo e aos fumantes passivos que estiverem por perto. Ronaldo atenta contra a própria saude, escolhendo morrer com câncer de pulmão, próstata, bexiga, língua e outros. É um livre arbítrio. Nenhum fumante sofre acessos de violência, comete acidentes de trânsito, mata ou morre por fumar tabaco. Todo o estardalhaço contra a indústria do fumo é justo. E contra o álcool, mil vezes mais preocupante para a segurança e a saude pública, não se faz nada?

Condena-se Ronaldo por fumar, mas ninguém o critica por induzir as pessoas ao alcoolismo. A torcida do Corinthians pichou paredes, depredou carros, jogou pedras no ônibus do time porque ficou fora da Libertadores. Os milhares de brasileiros vítimas de bêbados não jogaram uma única pedra em Ronaldo, nem escreveram um único abaixo assinado pedindo que ele pare de incitar as pessoas ao alcoolismo.

E Ronaldo sobrevive, espertamente, como bem escreveu Shakespeare na comédia Muito barulho por coisa nenhuma: "Pensais que me importam uma sátira ou um epigrama? Não, se um homem se deixa abater pelo que os outros pensam, nada de proveitoso conseguirá para si."

Autor: Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca, Livro dos Homens e Galiléia.

Fonte: Terra Magazine

18 fevereiro, 2011

Álcool mata mais que AIDS, tuberculose e violência

O álcool causa quase 4% das mortes no mundo todo, mais do que a Aids, a tuberculose e a violência, alertou a OMS (Organização Mundial da Saúde) nesta sexta-feira (11/02/11).

O aumento da renda tem provocado o consumo excessivo em países populosos da África e da Ásia, incluindo Índia e África do Sul. Além disso, beber em excesso é um problema em muitos países desenvolvidos, informou a agência das Nações Unidas.

No entanto, as políticas de controle do álcool são fracas e ainda não são prioridade para a maioria dos governos, apesar do impacto que o hábito causa na sociedade: acidentes de carro, violência, doenças, abandono de crianças e ausência no trabalho, de acordo com o relatório.

Cerca de 2,5 milhões de pessoas morrem anualmente por causas relacionadas ao álcool, disse a OMS em seu "Relatório Global da Situação sobre Álcool e Saúde".

"O uso prejudicial do álcool é especialmente fatal em grupos etários mais jovens e beber é o principal fator de risco de morte no mundo entre homens de 15 a 59 anos", afirma o relatório.

Na Rússia e na CEI (Comunidade dos Estados Independentes), uma em cada cinco mortes ocorre devido ao consumo prejudicial, a taxa mais elevada do planeta.

A bebedeira, que muitas vezes leva a um comportamentos de risco, agora é prevalente no Brasil, Cazaquistão, México, Rússia, África do Sul e na Ucrânia, e está aumentando entre outras populações, segundo a OMS.

"Mundialmente, cerca de 11% dos consumidores de álcool bebem bastante em ocasiões semanais; os homens superam as mulheres em quatro a cada uma. Eles praticam constantemente um consumo de risco em níveis muito mais elevados do que as mulheres em todas as regiões", disse o relatório.

Em maio passado, ministros da Saúde dos 193 países-membros da OMS concordaram em tentar conter o consumo excessivo de álcool e de outras formas crescentes do uso excessivo por meio de altos impostos sobre bebidas alcoólicas e restrições mais rígidas de comercialização.

Fontes :
Correio do Estado

OMS

16 fevereiro, 2011

Mecanismo de Ação da Ibogaína

É muito importante atualizar a explicação científica sobre o mecanismo de ação da ibogaína, explicação esta que era prevalente na época de 1994 a 2004, de que o efeito anti-dependência era devido a um metabólito de longa duração, a nor-ibogaína. Esta nor-ibogaína ligar-se-ia fracamente a receptores opióides e elevaria os níveis de serotonina. Como muitas explicações, esta revelou-se, atualmente, apenas parcialmente verdadeira.

Em 2005, uma pesquisadora da Universidade da Califórnia, Dorit Don, descobriu a razão pela qual ibogaína é efetiva contra um amplo espectro de drogas aditivas, incluindo metanfetamina e cocaína. Dentro de 6 horas após sua administração, a ibogaína provoca um aumento de 6 a 12 vezes na expressão de um fator de crescimento (GDNF – Glial Cell Derivated Neurothrofic Factor) que não apenas estimula o crescimento dos axônios dos neurônios dopaminérgicos e suas interconexões, mas também provoca um feedback positivo estimulando a fabricação de mais GDNF, fazendo com que a regeneração neural continue mesmo quando a substãncia já foi eliminada do organismo, explicando seu efeito duradouro a longo prazo

Assim sendo, o efeito da Ibogaína ocorre atraves de 3 estágios:

- a combinação do bloqueio (antagonismo) dos receptores NMDA, (como a ketamina), dos receptores nicotínicos alfa 3 beta 4 (como a bupropiona) e agonismo em relação ao receptor opioide kappa, (como a Salvia divinorum), o que faz com que a pessoa consiga perceber o efeito novamente das suas próprias endorfinas, eliminando a abstinência em 30 minutos e a fissura (craving) em 45 minutos;

-uma dose alta de ibogaína ocupa todo o aparato enzimático de metabolização no fígado, fazendo com que a ibogaína excedente e não metabolizada de imediato seja depositada no tecido gorduroso, sendo tambem aos poucos então transformada em nor-ibogaína e elevando de forma consistente e duradoura os níveis de serotonina, melhorando o humor por até 12 semanas;

-Dentro de 48 horas da ingestão, neurônios por todo o cérebro estão produzindo novos receptores de dopamina, (efeito do GDNF), então o paciente não precisa do uso de drogas para aumentar seus níveis de dopamina artificialmente. Este é o efeito mais importante, pois sem dopamina em quantidades adequadas, a maioria dos pacientes recai.

Apenas para esclarecer... me desculpem os leitores leigos e não afeitos a tal profundidade de explicações, mas estas são informações importantes.

Sobre GDNF

28 janeiro, 2011

Por uma nova Política de drogas

Um grupo de notáveis apresentou terça-feira (25) em Genebra uma iniciativa conhecida como Comissão Global de Política de Drogas.

Ao invés da estratégia habitual baseada na repressão, esses políticos e intelectuais propõem eliminar as penas para a possessão de certas substâncias narcóticas.

O prestigioso Hotel da Paz às margens do lago Léman, em Genebra, foi o cenário da apresentação aos meios de comunicação de uma iniciativa realista e inabitual. Trata-se da Comissão Global de Política de Drogas, cujo objetivo é apoiar no mundo inteiro políticas eficazes e humanas de redução da pobreza, mas também provocar um grande debate público das atuais políticas de luta contra a droga.

A Comissão parte do principio de que “a guerra conta as drogas está perdida de antemão” e que as políticas repressivas praticadas em países como os Estados Unidos não serviram para quase nada. É assim que esse novo órgão, composto de personalidades de renome mundial, foi lançado em Genebra.

Influentes latinos unidos

A iniciativa apresentada na Suíça é uma extensão global de um projeto regional similar que surgiu na América Latina através dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Cesar Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México).

A eles se juntaram personalidades como o Premio Nobel de Literatura Mario Vargas Lhosa, o espanhol Javier Solana e o escritor mexicano Carlos Fuentes. Entre outras personalidades destacam-se a ex-ministra da Suíça Ruth Dreifuss e o magnata britânico Richard Branson, dono da companhia aérea Virgin.

Algumas das perguntas a que este seleto clube tentará responder, estão, por exemplo: Quais são os riscos e vantagens de descriminalizar a posse de maconha para consumo próprio? Quais são as alternativas para a falida guerra contra a droga?

Para encontrar resposta a essas questões difíceis, a comissão pretende “colocar na arena internacional uma discussão baseada em evidências científicas que leve em conta os direitos humanos.” Segundo observam, em numerosos países as consequências associadas à erradicação do cultivo, a violência sistêmica e a corrupção endêmica ligada ao dinheiro da droga “supera em muito os problemas do próprio consumo.”

Conforme a comissão, a atual polarização entre partidários da mão firme e da tolerância “bloqueia o debate.” Em muitos países, as políticas repressivas prevalecem sobre as políticas baseadas em princípios científicos e sociais. Porém, há exceções.

O exemplo suíço

Em uma carta aberta apresentada terça-feira e publicada por jornais suíços, o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso e Michael Kazatchkine, diretor executivo do Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, dão uma resposta possível às perguntas formuladas acima.

Na opinião deles, o exemplo a ser seguido passa pelo “modelo suíço” O político brasileiro lembra os conturbados anos 1980, quando o consumo de heroína por via intravenosa fez estragos entre viciados em Genebra e Zurique.

Ao invés de criminalizar o doente, a Suíça optou por uma política revolucionária baseada em distribuir drogas, com estrito controle médico, aos toxicômanos de há muto tempo. Segundo Fernando Henrique, enquanto em países como Rússia e Estados Unidos os infectados pelo HIV aumentaram exponencialmente, a situação na Suíça foi mantida sob controle.

De fato, do lado oposto da balança está o exemplo norte-americano. Os Estados Unidos optaram pela repressão policial em larga escala, aumentando também exponencialmente o número de prisões e de prisioneiros.

Mas se os Estados Unidos têm a maior quantidade de presos por tráfico e consumo de drogas, um “numero desproporcional entre eles são latinoamericanos e afroamericanos.

Nas palavras do ex-presidente brasileiro, “essa ofensiva permitiu aos cartéis da droga obter mais lucros do que nunca e já controlam populações inteiras na América Latina.”

Para concluir, Fernando Henrique afirmou: "Exemplos como da Suíça ou Portugal demonstraram que existem melhores soluções (ao problema da droga) do que a repressão”. Soluções que passam pelo pragmatismo helvético, somadas à compaixão e ao respeito dos direitos humanos.

Comissão Global de Política de Drogas

Objetivos:

- Estudar os riscos e benefícios da descriminalização do consumo pessoal de maconha.

- Analisar os perigos de uma possível separação entre narcotráfico em grande escala e comércio de drogas local.

- Buscar alternativas ao modelo fallido de “guerra total às drogas”

Membros:
Fernando Henrique Cardoso: ex-presidente do Brasil;
César Gaviria: ex-presidente da Colômbia;
Ernesto Zedillo: ex-presidente do México;
Ruth Dreifuss: ex-presidente da Suíça e ministra da Saúde;
Mario Vargas Llosa: escritor peruano-espanhol e Prêmio Nobel de Literatura 2010;
Carlos Fuentes: escritor e intelectual mexicano;
Sir Richard Branson: magnata britânico, fundador da Virgin;
Javier Solana: político espanhol, antigo Alto Representante para Política Exterior e Segurança Comum da União Europeia (UE).

Modelo suíço

A política de droga foi objeto de votação em várias ocasiões.

No final dos anos 1990, os suíços votaram contra uma iniciativa que pedia maior repressão em matéria de drogas para defender-se desse flagelo da juventude. Também votaram contra outra iniciativa que pretendía a descriminalização do consumo.

Em 1999, os eleitores aprovaram nas urnas um decreto federal que atribuía aos médicos a prescrição controlada de heroína.

Há 20 anos a Suíça aplica uma política baseada em quatro vertentes: prevenção, terapia, redução de riscos e repressão.

En 2008, os suíços aceitaram nas urnas que estes quatro pilares fossem inscritos na Lei de Entorpecentes.




Rodrigo Carrizo Couto, swissinfo.ch, Genebra
Adaptação: Claudinê Gonçalves